sábado, 31 de dezembro de 2011

Inconformismo



Não! Eu não me conformo com o visto, o sentido e o não-sabido...
Não me conformo com a fome e o desperdício
enquanto a Bolsa de Futuros brinca de destino...
Não me conformo com a morte pelo vício
e escravidão de meninos soldados em luta.
Não! De modo algum eu me conformo
com as meninas sem bonecas brincando de putas.
Com nada disso eu me conformo...
E todo o meu inconformismo
é tão-somente um grito sufocado na garganta
e, se nada faço – nada mudo.
De que adianta?
Minha revolta é franca, é verdadeira
e não me conformo,
mas a cômoda bunda não se levanta
e permanece inconformada na cadeira!

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados (exceto, talvez, pelo título)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Os versos que te fiz

Depois, quando eu me for, guarda contigo
o verso que te fiz apaixonado;
o verso que te fiz ao ser amigo;
o verso que te fiz sem ser amado.


Depois, quando eu me for, procura abrigo
no verso que te fiz quando ao teu lado;
no verso que te fiz que ora bendigo;
no verso que te fiz quando cansado.


Depois, quando eu me for, vê se te esqueces
do verso que te fiz cheio de dor
no verso que te fiz cheio de prece.


Depois, quando eu me for, procura amor
nos versos que te fiz, e reconhece
o verso da saudade, quando eu for...


E eu que nunca lera Florbela Espanca...


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados (exceto, talvez, pelo título)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Zumbi dos Palmares



De que valeu, Zumbi, a luta e a morte
se ainda a tua raça fez-se escrava
de um preconceito cada vez mais forte
enquanto a tua cor se misturava?

Ser negro já não faz mais diferença
porque a escravidão não tem mais cor
e nas favelas morte nem compensa
e vida muito menos tem valor...

E é estranho que em quilombos tão modernos
com água, luz, escola e traficantes
morreram aqueles teus sonhos fraternos;

os nobres ideais ficam distantes
e nem se chama mais isso de inferno,
tragédia bem pior do que a de Dante...


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

BEM DITO




Este mito que em vão me persegue onde eu passo
é um pedaço do nada que a mim representa
a mentira nojenta e que causa embaraço
de uma guerra travada em batalha sangrenta.

Eu que grito sozinho num altar do absurdo
ao mais surdo dos deuses - não há Deus que me escute!
Mas, a quem me dispute digo: Adeus! Não chafurdo.
Não há lama em meus pés, mas comigo há quem lute.

Digo: Adeus! Não há Deus! Digo: Ateus, não há "Teus"!
E não temo os que choram por um deus de fumaça,
a cachaça dos crentes que imploram por Deus.

Não há "teus"! Eu repito! Eu sou livre e finito!
E feliz e bem dito que o sou sendo ateu!
Eu que grito no ouvido mais surdo de "Deus"!



Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ainda sem nome



Ainda sem nome a poesia não pensada e não sentida;
e o verso rascunhado vezes sem conta
no verso da conta não paga...
Ainda sem nome e sem rosto - um esboço só do que seria
se fosse mesmo poesia ou fosse quase gente;
se fosse gerada, mas não! Ainda não!
Porque haverá um tempo em que a poesia aflore
ainda que eu não chore enquanto espere
no suceder contínuo de estações.

Por isso ainda é sem nome a poesia,
porque há fome sim; porém, sem ânsia
aguardo enquanto tarda ou que não venha...
Espero, enquanto posso, o despertar
da quase-poesia em minha vida
de fome insaciada - e do desejo;
moventes para um corpo estacionado
ou rio feito um lago estagnado...

Mas há de vir o dia em que ela nasça
e a dor que era vazio e que era ausência
não vai mais impedir-nos da existência;
e até hei de sorrir um riso torto
enquanto volta à vida o que era morto;
enquanto aprende o mar quem só foi porto...

E mesmo sem ter nome e sobrenome
será reconhecida a cada passo
em seus traços herdados - meu genoma...
A minha poesia - ou quase um eu!

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Pintura






Pintura


Passo calado diante da favela
e da janela do ônibus lotado
um denso morro e um povoado intenso;
e atordoado penso: a vida é bela.
Fosse eu Picasso, que quadro pintaria!
Reduziria para dois metros quadrados
toda a miséria do quadro da janela.



Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Salobra



Eu transpirava a poesia em cada poro...
mas hoje, eu nada escrevo,
de nada eu me admiro
e choro um choro que não devo.
Eu nem me inspiro mais - acho normal.
E a poesia escorre pelo rosto
com um gosto de sal...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

Cardiopoética

(a que dá nome ao blog)



Minha veia poética não é cava
antes aorta torta e obstruída
antes safena em plena cirurgia
antes infarto do que parto
na difícil escolha pela vida...

E não se iluda o peito ainda pulsante
que onde fluía um dia a verve amor
já nada presta e resta a dor apenas
que silencia a poesia
mas, mesmo morto, o peito sente dor... 




© Reinaldo Luciano - Direitos Autorais Reservados

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dia de Finados e outros poemas moribundos (I)

Dia de Finados e outros poemas moribundos (I)


Não irei chorar teu corpo morto
e não te darei flores, reza ou vela...
E a tristeza não trará de volta ao porto
aquele que partiu... ou mesmo aquela!
Não hei de te chorar porque é novembro
porque te amei por mais que um dia
e é da tua alma viva que eu lembro!




Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

Finados

Manhã de Finados...
Afinados com a dor da ausência
os humanos sobem aos cemitérios
e sapateiam sobre túmulos abandonados;
justificam-se e  desculpam-se
por ainda estarem vivos...

Finados...
corpos sepultos,
confinados...
De certo modo a morte é definida
assim desta forma:
Do pó ao pó...
Que gruda insistente nos sapatos
como se tentasse voltar à casa...

Finados...
Lamentos desafinados...
Arranjos de flores refinados...
Um revolver de terra
como se fosse revolvida dentro em si
a própria saudade!


Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados


Conversa morta
Pareço alguém que não se importa
em conversar com gente morta,
mas não há como fugir à realidade!
Saudade sim, mas só saudade!
Não há dor em falar seus nomes
nem em relembrar quanto vivemos...
Amigos que me foram retirados aos poucos
que eu até fingi não ter sentido...
Fingi que a morte não tinha sentido...
Que a vida não tinha sentido...
Que não tenho sentido nada;
Que nada tem sentido...

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Drummondianas


No aniversário do poeta resolvi reunir minhas "Drummondianas".

Que ele não se ofenda pela qualidade (falta) de meus versos:


Simplicidade II


Sou afeito às coisas simples
aos amores simples sem mistérios
aos sofreres simples e indolores
e à calma da vida interiorana...
Não me agradam as cidades complexas
da metropolitana solidão vivida às pressas.
Sou afeito ao meu chão de interior
onde o amor nasce simples e cresce lento
e onde até o morrer não faça alarde...
Tudo é assim – simplicidade
na cidade simples em que vivo
a vida besta que Drummond cantava em poesia.

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados



Drummondiana III


Uma casa passa devagar...
Uma janela passa devagar...
Devagar um burro olha!
A vida é besta...
Mas dá um vontade!

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados



Drummondiana II

(no centenário do Poeta)

Encontro-me com José
no bar da esquina,
cansado dos filhos e do trabalho.
José no baralho
discutindo futebol com propriedade de técnico...

José operário...
José epilético...
José pé-de-cana!
Um José tão bacana...
O que se deu com José?
E José tagarela sem falar coisa com coisa...
Pede outra cerveja que nem toma...

Tenho pena, José!

E levo pelos braços rua afora
um José que reclama e chora feito menino...
Um José sem destino
que eu nem sei onde mora.

“E agora, José?”
“José, para onde?”

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados



Drummondiana

Tenho a idade da pedra,
de quando medra a civilização...
A pedra lascada, polida...
A pedra lançada.
Rotunda, pontiaguda,
projetada pela funda de Davi
e derrubando Golias...
A mesma pedra
que o poeta deixou em meu caminho.
Eu que contando estrelas não a vi;
tropecei, caí numa pedra irmã.
Fiquei sem amanhã;
cheguei ao céu do eternamente...
E o porteiro, um velho conhecido,
É Pedro - a pedra que me interroga
sobre como vim parar aqui.
Solene, eu respondo ter sido a pedra esquecida,
a perda da vida...
A pedra da vida...
A pedra esquecida no caminho do poeta
No meio do caminho tinha uma pedra”.
Se o poeta a viu, que a tirasse e, talvez
eu ficasse no caminho um pouco mais...

Lá embaixo o corpo descansa
sob uma lápide (outra pedra)...
“Descanse em paz!”

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Acorrentados [2]

Estes versos que fiz acorrentados
não são meus versos - não sou eu.
Não se assenhoram mais de meus princípios,
meus meios e meus fins. Nada disso é meu
e nem eu me pertenço. Sou a revolta...
Eu sou o grito de alerta no vazio
e não me reconheço assim atado
aos sonhos enterrados nas lembranças...
As esperanças foram um desvario
e não me reconheço escravo
nem me confesso prisioneiro
de sonhos não vividos.
Não sou escravo dos sentidos
e já não tenho grilhões para partir.
Não há razão para chorar,
amar - talvez. Morrer? Não sei... Talvez dormir,
mas não me sei ou sinto prisioneiro...
A liberdade em mim quebra correntes
ainda que sangre ou morra.
E se ser livre tem um preço
é o preço que pago indiferente
sem ver quanto custa,
se a paga é justa.
Não quero mais meus pés acorrentados
ou mãos tolhidas por grilhões de outros senhores...
Resgato os meus valores
e a vida sem senões, sermões vazios.
Eu quero a liberdade e desafio
a quem tente tomá-la a qualquer sorte.
Sou branco, negro e índio, mas senzala?
Senzala é escravidão... Prefiro a morte!

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ao Silêncio



Publico mais uma vez, até que se convençam de que não escreveram isso. Fui eu!

Reinaldo Luciano © Ainda com meus direitos autorais.

Do tempo

("Escrevo para ouvir o silêncio
das manhãs devoradas nas alturas." - Raimundo)


O tempo absorve os homens,
seca-lhes as entranhas do sentir
e faz escorrer a seiva vida
nas marcas profundas que traz.
A vida escorre feito rio - tempo
sorvendo homens, pontes, tudo...

O tempo devora manhãs
mas o poeta protesta, silente.
Nas asas do sonho
também faz marcas, deixa traços;
escreve - de ouvido - o silêncio
e absolve o tempo
que absorve os homens.

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

Arquitortura

Por longos anos desenhaste teu projeto
em traços finos, delicados, humanistas;
arquitetaste vigas, vãos, sonho em concreto
e tantos planos transformados em conquista.

Ai, que tortura tu sofreste em teu secreto
nas muitas noites mal dormidas em que a vista
vertia lágrimas de sono e o corpo ereto
dizia: Luta, ó arquiteta, ó urbanista!

Já não desenhas mais casinhas pequeninas
e no vigor da tua plena juventude
tu te projetas, arquitetas tua sina

mas não te percas mensurando as altitudes;
foste planície... e hoje conquistas a colina.
Mais adiante hás de achar a plenitude.

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Soneto Nada Sentimental à Cidade de São Paulo


Xenofobia travestida em tuas ruas
contra destinos, nordestinos, diferentes
te torna exposta e sem resposta te insinuas
mas não te cegas, nem renegas estas gentes.


Te desvarias noite e dia em cores cruas
nos desatinos que aos sem tino faz doentes;
mas não te cansas - sempre avanças, não recuas...
Segues sem culpas, sem desculpas, sempre em frente.


Viste o descaso com que os rasos governantes
abarrotaram, asfaltaram as tuas veias
mas inda anseias que elas fluam como dantes...


Sopras as velas das mazelas, mas se chove
neste Janeiro (o derradeiro?), em ruas cheias,
quem não flutua e quem não voa não se move.


Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

Escrito no aniversário de São Paulo, que em 2011 não tem o que comemorar!


http://www.brasilianas.org/blog/reinaldo/soneto-nada-sentimental-a-cidade-de-sao-paulo