segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Diário vermelho



Nesse diário rubro em sangue eu traço
cada pedaço de um viver tão vário
desde a nascença, quando era fedelho.

Nesse diário eu cubro cada espaço,
registro abraço, adeus; confessionário
da vida intensa olhada ante um espelho.

Meu breviário incréu por mim escrito
sempre repito e não temo o fadário
e me recuso à verga dos joelhos.

É meu diário. O sangue é minha tinta
e amor que sinta ou dor, tudo é precário
mas não me escuso de seguir parelho;

e se em vermelho eu tinjo o meu diário,
gravo em sudário a marca de meu rosto
e, tudo posto enfim, me destrambelho.

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Um eu que escreve e sente


Não penso nada que escrevo
e nem escrevo o que penso.
Sinto o pensamento escrevendo
enquanto observo em silêncio
tentando não deter a inspiração...

Não penso! Não devo...
Apenas sinto acontecer
e nem escrevo em minha mente,
mas vejo uma parte de mim – indiferente
que continua a escrever...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

domingo, 7 de outubro de 2012

Indene


Eu não passo indene pelo crivo crítico
dos letrados sábios – mas tão inscientes
quando ao verbo escarnam... São as doutas mentes,
alfarrábios vivos, entes analíticos!

Não! Não passo indene... São tão reticentes
porque desagrado aos seus poderes míticos
com meus balbucios quase neolíticos
de uma protolíngua não mais existente...

Assim posto, algures, volto à mendicância
da orfandade em letras, pobre de diplomas
e fadado às penas desta ignorância!

Eu não passo indene... Minha voz não soma
e volto, ingerente, para a militância...
E os doutores voltam às suas redomas...


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Bomba II



Senhora anosa e incompreendida
do alto dos seus 65 anos
desde que abriu-se em flor sobre Hiroshima.
A irmã mais nova em Nagasaki
de olhos tristes,
puxados
fechados
mortos...

As irmãs japonesas made in USA
quase esquecidas...
e outras tantas irmãs envelhecendo
aguardando a sentença iraniana
da forca ou do apedrejamento
por terem sido infiéis,
adullterinas
flertando com os filhos de Abraão...

A mãe de todas as bombas fez 65 anos
e não há o que comemorar!


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Se tiver que aceitar


Se aceitar Jesus for ser igual a ele
vou beber,
andar com vagabundos,
conhecer mulheres perdidas
e achar que estou salvando o mundo
da hipocrisia de mim mesmo.





Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

domingo, 15 de julho de 2012

Poema mecânico III


Este será um poema não escrito,
mas acidentalmente registrado:
O mecânico de trens está descarrilado
e ilhado na dor, mas tem tentado
achar de novo o trilho do infinito
e o apito do trem que nunca passa;
maria-fumaça desvanecida entre as montanhas
como narcótico em minhas neuróticas entranhas...
Eu vejo aranhas e vejo o nada
da vida inteira esfacelada pelo trem
e a mente fendida ainda se ofende
quando alguém diz saber como ela passa
e que entende o gosto amargo da fumaça
da inspiração do além - meia ilusão,
meio caminho entre a loucura e a razão,
meia passagem paga,
e a vida meio chaga em outra espera
talvez na próxima estação!


São quatro e vinte! Tudo está bem,
exceto eu – e talvez o trem!


ReinaldoLuciano©





quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dor vazada



(eu quis fazer um poemeto)

Minha dor não coube em cinco versos!
Não coube em doze...
E vazou para um soneto.

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

terça-feira, 19 de junho de 2012

Fome




Já soube a fome - concreta ou abstrata
e dela aprendi lições tão duras...
A fome eu sei - é a dor do vazio
e ouvir dizer: "Dorme que passa..."
Mas ela nunca passava!
E mesmo quando foi fome de amor
não adiantava dormir!

Agora não tenho fome - mas não passa
o sentimento da dor que ela deixava
quando em fome eu dormia
e por fome acordava!


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

quinta-feira, 22 de março de 2012

Homilia



Silêncio profundo.
Pedófilos ávidos na sacristia
devoram corpos infantis regados a vinho
e vão ao altar pregar sermões
dos senões ao direito...
A cruz no peito repudia o feto morto
e o aborto do maldito fruto
do sexo não consentido
(de pai para filha)
sagrada família!
E outros senões às mil pesquisas
ou à libertação da mãe escrava
de um filho anencéfalo e condenado...
Matar é pecado!
Silêncio! Apenas o roçar acetinado do fausto
enquanto a grande igreja silencia
o grito do holocausto.



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados  

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vindimador




Vindimo a dor contida em cada baga
como colhesse as chagas cultivadas
na safra dos anos já vividos
e as espremesse ao fim...

Vindimo a dor toda que sinto
qual fosse sangue tinto e seco...
Suave e doce a morte,
mas não me colhe por hora;
meu eu vindimador escolhe a vida,
encolhe-se quando desatina
e pisoteia a tina desgastada...

Vindimo a dor da vida entre dois polos
tentando o equilíbrio [quase indulto]
entre a fúria cega, insana,
ou o escuro e frio solo da adega
onde meus velhos monstros oculto
enquanto a sorte não me sega...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

Indizíveis



As coisas indizíveis
escrevo com neologismos
e reinvento palavras
em versos invisíveis...
Palavras não ditas,
benditas, malditas ou vazias;
um ajuntar de fonemas
da intraduzível poesia em meu poema.


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

O príncipe, a donzela e o ferreiro



Um príncipe galante idealizado
surgiu charmoso, rico e inteligente
aos pés de uma donzela indiferente.
Tomou-a sem as sedas e brocados.

Fez-se Cruzado e partiu, forte e valente
na busca pelo Gral santificado.
Mas ela abominou o cadeado
do casto cinto em aço reluzente.

Tão logo ele partiu coube ao ferreiro
livrá-la da prisão, daquele entrave
e conseguiu fazer cópia da chave
em troca d'uns afagos e dinheiro.

O templário voltou, ferido e lasso
mas não vivia ali mais a "fulana".
Morava tão feliz numa choupana...
Um filho do ferreiro em cada braço...



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

Sacis d’África



Vossos filhos, África! Filhos vossos
que tratais com tibieza
são sacis das minas que gerais
no solo rubro e branco – exangue e ossos
de um ódio antigo que ainda disseminais...
Desde a Namíbia a tíbia não há mais;
Disse “Minas, cuidado!”
De Angola, Argélia, Moçambique
produzis teus meninos e meninas sacis;
passado negro, futuro manco
por vossas insanas disputas sem sentido.

E tu, filho de África, irmão dessas meninas?
Nas minas que plantaste o que colheste?
Quando não matas, amputas...
Já não há sacis que baste?

Generais ditadores de mentes eqüestres,
senhores da guerra – imbecis
plantaram minas terrestres
e agora colhem sacis...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 


quinta-feira, 8 de março de 2012

Um dia de mulher



Um dia!
Dia da mulher...

Mulheres de um dia;
mulheres de algumas horas
e algumas, pagas...
Mulheres - algumas senhoras
e algumas, chagas...
Mulheres diminutas
mulheres de minutos...
Meninas de Maputo
e de toda a África devastada;
Mulheres de luto,
meninas mutiladas...
Mulheres de burka - escravizadas...
Apedrejadas!
Meninas da rua
à luz da lua - a infância roubada...

Mulheres vendidas!
Mulheres vendadas!
De que vale a vida?
De que vale um dia?
Não serve pra nada!



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

Aquém interessa

[ ...das agruras de ser fake (falso) ou apenas um heterônimo de outra Pessoa ]


Parada [marcha]
das ressonâncias do ser
entre quatro paredes
parei.
Pariu-se Marianna
de um aborto espontâneo,
extemporâneo.

Emparedada
por mim
em mim
Marianna não há
de ser ódio.
Não há Marianna
[serôdio feto]
Afeto? Nem!

Aquém de mim, Marianna
a quem possa interessar
declara:
Não há Marianna!
Não amar,
[não há mar]
não ri
ou emana.

Por Marianna Kesler
Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Amor sem retoques


Ecoa a voz de antigos poetas mortos

cantando amores impossíveis
e mulheres deusas ou vestais...
Amores também mortos ou retortos,
amores incríveis e irreais.
Não são amores! Não mais...

Meu amor não é amor poético
e não cabe em poesia - corpo e forma;
não segue a norma e apenas existe!
Não é alegre! Não é triste...
É apenas amor e nada mais!

Não é o amor da urgência incompreendida
e nem amor de dor ou de insurgência
e nem a dor sem cor da própria vida!
É meu amor cotidiano
sem palavras de efeito ou feito afoito
no afã de um coito ansioso e insano...
É amor - simples amor - e sem retoques;
por mais que eu me recrie e me pincele
ficou rascunho assim em minha pele.





Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

E isso e aquilo

Anseio amor e ardor e o resto
renegando todas as vírgulas
e as reticências dos pontos finais
nas quais não pauso o meu protesto
e não exclamo e nem pergunto
aos pontos juntos sobrepostos
se isso e aquilo são opostos
nas conjunções carnais de meus anseios
expostos na nudez destes meus versos
por isto e aquilo e tudo mais.

E antes que me cobrem travessões
ou façam digressões por inferência
eu antes canto porque insisto
e sempre, e tanto, e tanto mais por isso
resisto ao resto e a tudo mais. 

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pequeno poema de amor, silêncio e dor


Dói mais em mim

o teu silêncio
do que já me doeu o teu amor!




Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Inumana dor

 

Lixo-me para a dialética do socialismo gordo e rubicundo,
para o mercado de capitais e capitais pecados
do terço desfiado e sem rosário – espinhos, talvez.

Lixo-me! Lixo-me outra vez para a verdade
e a veleidade inútil democrática...
Antes a socrática saída – porém, nobre!
A sociedade cobre estas feridas...

Lixo-me mesmo para a vida – origem, meio e fim!
Não mais me iludo com o lixo acumulado da fartura,
e sobrevivo avesso à literatura inusitada
montada sob o efeito de palavras escolhidas
e a esmo unidas sob um manto de cultura...

Lixo-me mesmo para a vida e a morte!
Tornei-me estrume imune aos seus avanços
e no ranço sentido eu me misturo
e lixo-me por viver do escuro lado avesso às gentes,
mormente pelo tudo não visto e não sabido...
Não vi e não sei, mas eu me lixo!
Sem lei é o mundo – obscuro;
e eu – bicho homem – me afundo mais neste monturo
de sonhos nus e enfadonhos
disputando o espaço infecto com urubus...

Lixo-me por ser homo erectus
quase quadrúpede – tão curvado – um bípede involuto e involuído.
Neste monte de lixo esquadrinhado
eu luto sem ter vivido
e lixo-me!

© Reinaldo Luciano -  Direitos Autorais Reservados

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Retratos da alma de um poeta



Poesia não se escreve... sente-se.
Ainda que seja um protesto,
deve ser um protesto sentido...
Se não, não tem sentido.
Poesia é assim – algo que nasce em sentimento
e se transforma em palavras;
é um instantâneo do momento vivido
e que vai amarelando na gaveta da alma
até que um dia nos reconheçamos na velha fotografia.
Isso é poesia!
O reconhecimento...
É o momento vivido, sentido...
A poesia não se escreve – se revela.
É como uma janela
que se abre para dentro da alma da gente.


Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

sábado, 14 de janeiro de 2012

Crucifixo

Pelas duras penas que esta vida encerra
na jornada eterna de nós sofredores
é que nos tornamos tristes sonhadores
quais vagantes órfãos ao final da guerra;


E de passo em passo, vamos pela Terra
em pedras e espinhos, renegando as dores,
na sofreguidão de encontrar amores
e noutra ilusão que a razão enterra...


Pelas duras penas quase abandonamos
o caminho, a vida, a verdade e a luz
por medo da dor que não suportamos...


E de passo em passo, carregando a cruz
tememos os cravos, mas nos entregamos.
É apenas medo... Não somos Jesus.

(obs.: continuo ateu)

Reinaldo Luciano

sábado, 7 de janeiro de 2012

Quando eu for velho


Quando eu for velho, se for velho e não me for,
ainda irei, no fim, viver intensamente,
mesmo se o corpo esmorecer de tão cansado;
A mente intensa há de querer frágeis lembranças
ainda quando me faltar massa cinzenta.
E embora velho e sem memória e sem vigor
verá, quem queira, por detrás do olhar distante
meu eu menino saltitando em poças d'água.


Quando eu for velho, se for velho e não me for
terei vencido tudo mais - estarei pronto.
E ao me livrar do velho corpo estarei rindo
das desventuras que hoje penso ter vivido.
Ah! velho tonto! É-me tão bom quando me ensinas
e me preparas ao futuro que eu te lego...
E se eu me for antes de ter envelhecido,
guarda meus sonhos junto aos teus... Depois eu pego.


Errante


Perdi-me de mim na encruzilhada dos anos
enquanto estive só...
Dias sem sol, noites sem lua
e uma nua realidade envelhecida!
A vida qual estrada no deserto
e eu me cobri do pó da nulidade
de não ter mais a mim ou mais alguém;
Viver era um exercício da vontade...

A vida se desfez no pó dos anos,
no pó dos planos desfeitos,
no sufocar do peito e no ardor dos olhos;
vida seca - desertificação de sentimentos
e secura das lágrimas (ou mágoas)
numa estrada de pó;
é triste estar só e mais triste ser só...

Cruzei quarenta anos de deserto
e não me sinto certo de onde estou;
Será que um dia chega?
Será que me alcança
a parte de mim que ficou?

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Logradouro



Sempre bem-vindo às tantas ruas, logradouros
onde, solenes, meus amigos já distantes
deixam seus nomes, e lembranças – meus tesouros
dos tempos idos, companheiros, militantes.

Mas, se caminho sem pesar e é reconforto,
ao mesmo tempo em que divago, me entristeço...
Sabê-los parte do que é vivo e do que é morto
É meio e fim; eterno e, sim, um recomeço.

Quando for hora – e não por hora! – que eu não dê
nem que se queira, numa forma de homenagem
meu nome a beco lá na terra do Dendê
onde praticam anual rito: a lavagem...

Já fico aflito de pensar nos foliões,
bexigas soltas nas calçadas e portões...

Prefiro a honra de poder manter-me seco
a dar o nome de Bemvindo a qualquer beco!

Deem meu nome à ruazinha sem saída
que tenha a esquina na Avenida da Saudade
e desemboque no Jardim da Liberdade;
igual àquele que plantei com minha vida!




Ao ator e cidadão Bemvindo Sequeira, baseado no texto de sua autoria, publicado em seu blog ( clique aqui para ler ) em 03/01/2012