quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Zumbi dos Palmares



De que valeu, Zumbi, a luta e a morte
se ainda a tua raça fez-se escrava
de um preconceito cada vez mais forte
enquanto a tua cor se misturava?

Ser negro já não faz mais diferença
porque a escravidão não tem mais cor
e nas favelas morte nem compensa
e vida muito menos tem valor...

E é estranho que em quilombos tão modernos
com água, luz, escola e traficantes
morreram aqueles teus sonhos fraternos;

os nobres ideais ficam distantes
e nem se chama mais isso de inferno,
tragédia bem pior do que a de Dante...


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

BEM DITO




Este mito que em vão me persegue onde eu passo
é um pedaço do nada que a mim representa
a mentira nojenta e que causa embaraço
de uma guerra travada em batalha sangrenta.

Eu que grito sozinho num altar do absurdo
ao mais surdo dos deuses - não há Deus que me escute!
Mas, a quem me dispute digo: Adeus! Não chafurdo.
Não há lama em meus pés, mas comigo há quem lute.

Digo: Adeus! Não há Deus! Digo: Ateus, não há "Teus"!
E não temo os que choram por um deus de fumaça,
a cachaça dos crentes que imploram por Deus.

Não há "teus"! Eu repito! Eu sou livre e finito!
E feliz e bem dito que o sou sendo ateu!
Eu que grito no ouvido mais surdo de "Deus"!



Reinaldo Luciano © Direitos Autorais reservados

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ainda sem nome



Ainda sem nome a poesia não pensada e não sentida;
e o verso rascunhado vezes sem conta
no verso da conta não paga...
Ainda sem nome e sem rosto - um esboço só do que seria
se fosse mesmo poesia ou fosse quase gente;
se fosse gerada, mas não! Ainda não!
Porque haverá um tempo em que a poesia aflore
ainda que eu não chore enquanto espere
no suceder contínuo de estações.

Por isso ainda é sem nome a poesia,
porque há fome sim; porém, sem ânsia
aguardo enquanto tarda ou que não venha...
Espero, enquanto posso, o despertar
da quase-poesia em minha vida
de fome insaciada - e do desejo;
moventes para um corpo estacionado
ou rio feito um lago estagnado...

Mas há de vir o dia em que ela nasça
e a dor que era vazio e que era ausência
não vai mais impedir-nos da existência;
e até hei de sorrir um riso torto
enquanto volta à vida o que era morto;
enquanto aprende o mar quem só foi porto...

E mesmo sem ter nome e sobrenome
será reconhecida a cada passo
em seus traços herdados - meu genoma...
A minha poesia - ou quase um eu!

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Pintura






Pintura


Passo calado diante da favela
e da janela do ônibus lotado
um denso morro e um povoado intenso;
e atordoado penso: a vida é bela.
Fosse eu Picasso, que quadro pintaria!
Reduziria para dois metros quadrados
toda a miséria do quadro da janela.



Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Salobra



Eu transpirava a poesia em cada poro...
mas hoje, eu nada escrevo,
de nada eu me admiro
e choro um choro que não devo.
Eu nem me inspiro mais - acho normal.
E a poesia escorre pelo rosto
com um gosto de sal...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

Cardiopoética

(a que dá nome ao blog)



Minha veia poética não é cava
antes aorta torta e obstruída
antes safena em plena cirurgia
antes infarto do que parto
na difícil escolha pela vida...

E não se iluda o peito ainda pulsante
que onde fluía um dia a verve amor
já nada presta e resta a dor apenas
que silencia a poesia
mas, mesmo morto, o peito sente dor... 




© Reinaldo Luciano - Direitos Autorais Reservados

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dia de Finados e outros poemas moribundos (I)

Dia de Finados e outros poemas moribundos (I)


Não irei chorar teu corpo morto
e não te darei flores, reza ou vela...
E a tristeza não trará de volta ao porto
aquele que partiu... ou mesmo aquela!
Não hei de te chorar porque é novembro
porque te amei por mais que um dia
e é da tua alma viva que eu lembro!




Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados

Finados

Manhã de Finados...
Afinados com a dor da ausência
os humanos sobem aos cemitérios
e sapateiam sobre túmulos abandonados;
justificam-se e  desculpam-se
por ainda estarem vivos...

Finados...
corpos sepultos,
confinados...
De certo modo a morte é definida
assim desta forma:
Do pó ao pó...
Que gruda insistente nos sapatos
como se tentasse voltar à casa...

Finados...
Lamentos desafinados...
Arranjos de flores refinados...
Um revolver de terra
como se fosse revolvida dentro em si
a própria saudade!


Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados


Conversa morta
Pareço alguém que não se importa
em conversar com gente morta,
mas não há como fugir à realidade!
Saudade sim, mas só saudade!
Não há dor em falar seus nomes
nem em relembrar quanto vivemos...
Amigos que me foram retirados aos poucos
que eu até fingi não ter sentido...
Fingi que a morte não tinha sentido...
Que a vida não tinha sentido...
Que não tenho sentido nada;
Que nada tem sentido...

Reinaldo Luciano © Direitos Autorais Reservados