quinta-feira, 22 de março de 2012

Homilia



Silêncio profundo.
Pedófilos ávidos na sacristia
devoram corpos infantis regados a vinho
e vão ao altar pregar sermões
dos senões ao direito...
A cruz no peito repudia o feto morto
e o aborto do maldito fruto
do sexo não consentido
(de pai para filha)
sagrada família!
E outros senões às mil pesquisas
ou à libertação da mãe escrava
de um filho anencéfalo e condenado...
Matar é pecado!
Silêncio! Apenas o roçar acetinado do fausto
enquanto a grande igreja silencia
o grito do holocausto.



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados  

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vindimador




Vindimo a dor contida em cada baga
como colhesse as chagas cultivadas
na safra dos anos já vividos
e as espremesse ao fim...

Vindimo a dor toda que sinto
qual fosse sangue tinto e seco...
Suave e doce a morte,
mas não me colhe por hora;
meu eu vindimador escolhe a vida,
encolhe-se quando desatina
e pisoteia a tina desgastada...

Vindimo a dor da vida entre dois polos
tentando o equilíbrio [quase indulto]
entre a fúria cega, insana,
ou o escuro e frio solo da adega
onde meus velhos monstros oculto
enquanto a sorte não me sega...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

Indizíveis



As coisas indizíveis
escrevo com neologismos
e reinvento palavras
em versos invisíveis...
Palavras não ditas,
benditas, malditas ou vazias;
um ajuntar de fonemas
da intraduzível poesia em meu poema.


Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

O príncipe, a donzela e o ferreiro



Um príncipe galante idealizado
surgiu charmoso, rico e inteligente
aos pés de uma donzela indiferente.
Tomou-a sem as sedas e brocados.

Fez-se Cruzado e partiu, forte e valente
na busca pelo Gral santificado.
Mas ela abominou o cadeado
do casto cinto em aço reluzente.

Tão logo ele partiu coube ao ferreiro
livrá-la da prisão, daquele entrave
e conseguiu fazer cópia da chave
em troca d'uns afagos e dinheiro.

O templário voltou, ferido e lasso
mas não vivia ali mais a "fulana".
Morava tão feliz numa choupana...
Um filho do ferreiro em cada braço...



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 

Sacis d’África



Vossos filhos, África! Filhos vossos
que tratais com tibieza
são sacis das minas que gerais
no solo rubro e branco – exangue e ossos
de um ódio antigo que ainda disseminais...
Desde a Namíbia a tíbia não há mais;
Disse “Minas, cuidado!”
De Angola, Argélia, Moçambique
produzis teus meninos e meninas sacis;
passado negro, futuro manco
por vossas insanas disputas sem sentido.

E tu, filho de África, irmão dessas meninas?
Nas minas que plantaste o que colheste?
Quando não matas, amputas...
Já não há sacis que baste?

Generais ditadores de mentes eqüestres,
senhores da guerra – imbecis
plantaram minas terrestres
e agora colhem sacis...

Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados 


quinta-feira, 8 de março de 2012

Um dia de mulher



Um dia!
Dia da mulher...

Mulheres de um dia;
mulheres de algumas horas
e algumas, pagas...
Mulheres - algumas senhoras
e algumas, chagas...
Mulheres diminutas
mulheres de minutos...
Meninas de Maputo
e de toda a África devastada;
Mulheres de luto,
meninas mutiladas...
Mulheres de burka - escravizadas...
Apedrejadas!
Meninas da rua
à luz da lua - a infância roubada...

Mulheres vendidas!
Mulheres vendadas!
De que vale a vida?
De que vale um dia?
Não serve pra nada!



Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados

Aquém interessa

[ ...das agruras de ser fake (falso) ou apenas um heterônimo de outra Pessoa ]


Parada [marcha]
das ressonâncias do ser
entre quatro paredes
parei.
Pariu-se Marianna
de um aborto espontâneo,
extemporâneo.

Emparedada
por mim
em mim
Marianna não há
de ser ódio.
Não há Marianna
[serôdio feto]
Afeto? Nem!

Aquém de mim, Marianna
a quem possa interessar
declara:
Não há Marianna!
Não amar,
[não há mar]
não ri
ou emana.

Por Marianna Kesler
Reinaldo Luciano ©Direitos Autorais Reservados